uma mulher e uma furadeira na mão: As ferramentas de May Barros para a revolução

May Barros após se dar muito bem com sua empresa de serviços gerais, agora promete curso de marcenaria em breve!!!

Ela é dona da 'Entre Minas', empresa de serviços gerais que só atende mulheres: "E elas sempre relatam que já passaram por algum tipo de situação constrangedora ao receber um homem em casa."

Os brinquedos favoritos de May Barros não eram nada comuns ao inventário de uma criança. Na lista dos "mais mais", estavam as ferramentas de trabalho de seu pai, um marceneiro de mão cheia da cidade de Cruz das Almas, no Recôncavo Baiano. "Eu sempre ficava próxima dele observando, aprendendo. E ele deixava e gostava", compartilha, em entrevista ao HuffPost Brasil.

A exceção, diz ela, era somente quando o material utilizado era a chamada "cola de sapateiro", que tem um cheiro forte e que pode causar mal-estar e até viciar. Fora isso, nada impedia que a caçula consolidasse a sua posição de companhia favorita nas aventuras com a madeira.

Quando não estava na oficina do pai, a menina se distraía com os desenhos. Só que não eram traçados quaisquer. Ao invés de rabiscar o exterior de uma casa, como a maioria esmagadora das crianças faz, se preocupava em esboçar a parte de dentro, dando foco a detalhes como as torneiras da pia, e todas as partes do banheiro, por exemplo.

"Eu era totalmente desmotivada. Aí eu comecei a fazer serviços de casa, em horários nos quais eu não tava no trabalho"

Formada em museologia, May até tentou fugir ao hobby que aprendeu dentro de casa: a marcenaria. Mas não teve jeito.

Na hora de escolher o curso no vestibular, fugiu à vocação – encarada como tarefa de praxe ou como um hobby qualquer. Gostava de colocar a mão na massa, isso era fato. Na cidade vizinha, Cachoeira, apenas três opções eram oferecidas aos alunos na universidade local: Comunicação, História e Museologia.

Optou pela última, mesmo sem curtir tanto assim, muito pela vontade de deixar as asas dos pais e ganhar o mundo de uma vez. No novo lar, era requisitada vez ou outra por uma amiga para trocar uma resistência do chuveiro ou dar uma mão de tinta na parede da sala. Pensou muitas vezes em largar o curso, mas resistiu até o fim.

Já formada, se mudou para Salvador e passou a trabalhar no projeto de construção da Casa do Rio Vermelho, o museu de Jorge Amado, e no Museu de Arte Sacra, no Pelourinho. "Eu não me encontrava, era totalmente desmotivada, mal dava para eu me manter. Aí eu comecei a fazer serviços de casa, em horários nos quais eu não tava no trabalho, como um complemento do salário mesmo", conta.

"Elas sempre relatam que já passaram por algum tipo de situação constrangedora ao receber um homem em casa"

A Entre Minas só atende mulheres e tem um perfil: feministas, lésbicas e mães-solos.

Mesmo ganhando pouco e não curtindo tanto assim o trabalho, o salário no museu representava uma certa estabilidade financeira. A divulgação boca a boca e o incentivo das amigas, no entanto, fez com que May deixasse a insegurança de lado e passasse a investir totalmente naquele hobby de infância.

Em julho de 2016 criou a Entre Minas, uma espécie de empresa "faz tudo" apenas composta por mulheres e voltada para atender outras mulheres. "Eu ofereço serviço de marcenaria, hidráulica, elétrica, pintura, instalação de prateleiras, suportes em geral, e montagem de móveis, cenários. Só atendo mulheres. E elas sempre relatam que já passaram por algum tipo de situação constrangedora ao receber um homem em casa".

Com a fama da habilidade em serviços gerais se espalhando, decidiu se especializar ainda mais. Se inscreveu num curso de cenografia, no qual aprendeu ainda mais sobre marcenaria, elétrica e hidráulica – e com o conhecimento adquirido, fez parte da equipe que construiu o cenário do premiado filme baiano Café com Canela (2017). Era o que faltava para tomar coragem para largar o trabalho maçante e investir no sonho que alimentava ainda que inconscientemente há muito tempo.

"A maioria do meu ciclo de amigas atualmente são clientes: mulheres feministas, lésbicas, mães-solos e esquerdistas"

Além dos serviços, as oficinas são a parte favorita dela, pois é onde consegue ver a mudança acontecendo diante de seus próprios olhos.

Além oferecer os serviços, May se propôs a repassar o conhecimento adiante, através de oficinas de manutenção. Ela ensina, entre outras coisas, a trocar tomadas, resistência de chuveiro, torneiras e sifão – e um curso de marcenaria também está por vir. "Eu adoro. Conheço bastante pessoas, faço amizade... A maioria do meu ciclo de amigas atualmente são clientes. Já tenho um perfil: mulheres feministas, lésbicas, mães-solos e esquerdistas".

Ela garante ainda que o Entre Minas não é só ir na casa das mulheres, realizar o serviço e pronto: "A nossa missão é que mulheres se espelhem em nós, saibam que é possível, que a gente pode tudo e que a gente tá aqui para construir uma sociedade mais igualitária".

"A nossa missão é que as mulheres se espelhem em nós, saibam que é possível, que a gente pode tudo"

"As alunas entravam na oficina sem saber pegar numa furadeira."

A fama se espalhou: além de ter conquistado a mídia mainstream e ter feito participações até no programa Encontro com Fátima Bernardes, o projeto vai deixar de atender somente a capital baiana. "Eu tenho uma outra amiga que vai começar a atender no Recôncavo Baiano, nos municípios de Cruz das Almas, Cachoeira, Muritiba, São Félix e Santo Antônio de Jesus".

As crianças também se tornaram o público alvo de May, para poder criar a consciência de que a mulher pode fazer o que quiser desde cedo. Em agosto, pretende ministrar uma turma de marcenaria infantil mista: "Vai ser menino e menina, porque o menino vai ver que a menina pode também e que é tudo igual".

"As alunas entravam na oficina sem saber pegar numa furadeira, pela questão social de que é um utensílio masculino"

O Entre Minas atenderá a partir da segunda metade do ano as cidades de Cruz das Almas, Cachoeira, Muritiba, São Félix e Santo Antônio de Jesus.

As oficinas são a parte favorita dela, pois é onde consegue ver a mudança acontecendo diante de seus próprios olhos. "As oficinas são muito motivadoras, de verdade. É um momento muito feliz, de ver você podendo passar para outras mulheres o seu conhecimento e vendo que elas também tão ali querendo aprender e fazendo. As alunas entravam na oficina sem saber pegar numa furadeira, pela questão social mesmo de que a é um utensílio de trabalho masculino. E elas saíam de lá querendo comprar a sua própria".

E o que o pai acha da filha mais nova ter levado a profissão adiante? "Ele acha maravilhoso, me escreve sempre, tudo ele quer saber. Ele fica muito feliz em relação a eu estar fazendo esses serviços que são culturalmente feitos por homens. E ele tem 89 anos! ".

Fonte: https://www.huffpostbrasil.com